Quando nasceu, numa tarde em que o sol frio por mais que insistisse não esquentava o orvalho da grama, Pedrinho ainda não tinha nome. Ele era pequeno, frágil e passava o dia inteiro quieto em cima de um galho de árvore, esperando que a brisa leve ficasse forte o suficiente para sacudi-lo pra lá e pra cá. A mãe morreu cedo, e logo as lembranças dela que Pedrinho tentava guardar com toda sua força se perderam pelos porões da memória. Era o xodó do pai, o molequinho predileto. Sempre que o pai conseguia arranjar um pedaço de bolo de fubá da casa grande, levava para Pedrinho. E ele mergulhava no bolo, se lambuzava todo até a barriga doer.
Quando o tempo estava quente, gostava de correr pela grama alta, de escalar e escorregar em caules de flores-do-campo e de se afundar na terra para sentir seu cheiro forte de fazenda. Nunca se esquecerá do dia mágico em que subiu num cavalo e viu tudo lá de cima. Os pêlos eram muito escorregadios e foi muito difícil chegar até o topo, mas Pedrinho tinha certeza que seu espírito era aventureiro. Logo ficou maior e começou a ajudar em casa. O trabalho era arriscado, mas simples. As regras eram claras: sair de casa, buscar comida, voltar pra casa. Sem dar atenção pra estranhos ou se distrair pelo caminho – e não era difícil se distrair naquela fazenda grande e colorida, cheia de animais diferentes. Pedrinho foi disciplinado por meses, até que um dia encontrou Carolina.
Carolina era uma criança sorridente de tranças ruivas meio desfeitas, olhos castanhos muito profundos e cílios de boneca. Ela estava sentada no chão e divertia-se ao arrancar grandes tufos de grama, jogá-los para cima e observá-los caindo lentamente. Resolveu que estava cansada, deitou-se na terra fofa e observou as nuvens e o céu até cochilar. Pedrinho não conseguia tirar os olhos daquela criatura tão enorme e adorável. Aproximou-se o suficiente para observá-la em detalhes. Contornou o perímetro da garota adormecida diversas vezes até escalar seu rosto. Passeou por montanhas de pintas e lagos de suor, pelos cílios longos e pelos lábios úmidos de criança. Subiu até a ponta de seu nariz e ali ficou, observando a paisagem, orgulhoso de seu feito. Carolina acordou e viu Pedrinho em seu nariz. Ela ofereceu o dedo, ele aceitou sem pestanejar. Ficou ali, brincando nas ondulações das digitais de Carolina, que o olhava atentamente.
– Pedrinho, disse a menina. Vou te chamar de Pedrinho, que nem o meu primo.
Pedrinho não tivera um nome até então. Fora batizado por aquela coisinha rechonchuda e ruiva, aquela graça, aquele mimo. Pensou estar apaixonado, era jovem demais para ter certeza.
– Eu sou a Carolina, disse ela, apontando para si com a outra mão.
A tarde caía e o sol alaranjado refletia nas tranças desfeitas. Pedrinho resolveu que não voltaria mais para casa. Sabia que nunca encontraria outro ser como aquele.
- O meu primo, o Pedrinho, é muito mau comigo, comentou. Ele puxa as minhas tranças e sempre me engana no pique-pega. Hoje ele me fez chorar, sabia? Mas ele é muito maior que eu, aí eu sempre acabo apanhando quando eu tento revidar. – Ela subiu o indicador até a altura dos olhos e continuou – Sabe, eu queria muito bater no Pedrinho. Queria arrancar os cabelos dele que nem ele arranca os meus. Sabe o que eu queria mesmo? Que ele fosse do tamanho de uma formiguinha pra eu poder esmagá-lo assim, ó.
E Pedrinho, que ainda era jovem demais pra entender o amor, não entendeu o ódio de Carolina pelo outro Pedrinho. Entendeu menos ainda quando ela juntou o polegar ao indicador e aí ele não foi capaz de entender mais coisa alguma.
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