segunda-feira, 6 de abril de 2009

Monique

Os diversos frascos de comprimidos para dormir meticulosamente organizados na prateleira do banheiro denunciavam a insônia da mãe de Monique. As toalhas brancas tinham fiapos grandes e macios o suficiente para fazer com que quem se enrolasse nelas se sentisse abraçado por um peludo urso polar. Aquele banheiro era tão alvo e imaculado que Monique se sentia a pior pessoa do mundo ali dentro. Os pais tinham ido viajar, como de costume, e ficariam por volta de três semanas passeando por Munique. Nunca tiveram a decência de convidar a filha. O único som perceptível era o do jato de água forte caindo nos azulejos brancos. A água quente demais insistia em apagar qualquer manifestação artística de Monique no vidro do boxe. Ela estava encolhida no canto molhado, seu corpo esguio contorcido, os cachos desbotados desfaziam-se com o cair da água. Seu corpo nu tremia enquanto água escorria por ele e pelo vidro do boxe. Monique observou as gotinhas pingarem das pontas de seus cabelos e começou a contá-las. A vida era boa o suficiente, não era? Não lhe faltaram oportunidades no colégio e era até esperta o suficiente pra entrar em uma universidade, só não queria. Nos últimos meses havia se preocupado apenas em fumar demais, fazer sexo demais, beber demais, comer demais para depois vomitar demais. Roeu a unha do dedão já roída até a carne. Gostava daquele gosto metálico do sangue espalhando-se por sua língua. Sentia-se suja, suja. Contou as gotinhas que pingavam do cabelo até se perder nos números. Fazia sexo por motivo nenhum. Não tinha prazer nem no sexo, nem no café. O álcool só ajudava a passar pelo sexo, a comida ajudava a passar por qualquer resquício de sentimento, o vômito ajudava a escapar da gordura. Fazia tudo porque não tinha por que fazer. Insistia em macular seu corpo para magoar os pais. Mentira. Não era a mágoa que ela almejava, só um pouco de atenção. Um pouquinho de Munique. Os pais de Monique nem reparavam que ela estava tentando se destruir. Eles nunca flagraram-na saindo de casa no meio da madrugada. Nem perceberam que ela levava um cara diferente a cada final de semana para seu quarto. Nem que deixava carteiras de cigarro espalhadas por aí. Nem os barulhos que fazia para se livrar da comida. Nem que comia demais, nem que bebia demais. Era como se Monique não acontecesse naquela casa. Olhou para cima e deixou a água cair diretamente no seu rosto. Já sentia as pontas dos dedos um pouco entorpecidas, não tardaria para cair no sono. Daqueles frascos no armário, Monique havia pegado emprestado uns comprimidos. Só o suficiente pra ela não ter que acordar mais. A água quente já enrugara todas as partes possíveis de seu corpo. Não tardaria muito. Com um pouco de esperança, papai e mamãe perceberiam algo errado no boxe daquele banheiro quando voltassem de viagem.

 

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